domingo, 30 de setembro de 2012

Evangelho da finança

As opiniões de António Borges são interessantíssimas. Este consultor regiamente pago que se arroga do papel de governante não eleito e mestre intelectual do corrente governo, diz muito nas breves palavras em que apelida de ignorantes os empresários portugueses. Mais do que foi salientado pela comunicação social. Gostei muito de o ouvir referir que quem não compreende o brilhantismo da medida da taxa social única estaria sempre chumbado nas aulas que dá (numa qualquer universidade onde alunos infelizes têm de passar horas a fio a perscrutar a sabedoria inata das palavras deste sábio teólogo da finança).
Foi o equivalente a ouvir um biólogo a declarar publicamente que qualquer aluno seu que não compreendesse o brilhantismo do criacionismo estaria automaticamente reprovado nas suas aulas. Assumiu que como professor o que lhe importa é que sejam propagados dogmas ideológicos. Um treino de uma legião de jovens engravatados crentes profundos no evangelho goldman sachs e na liturgia da alta finança. Há muitas outras razões para detestar as repugnantes palavras deste economista zelota daquela variante ideológica do mercado livre onde a mão invisível se desloca com enorme eficácia para encher o bolso dos oligarcas transnacionais e empobrece tudo o resto, mas como professor que sou não pude deixar de fazer este reparo. Eu ensino factos. E aluno meu que seja incapaz de ver o brilhantismo das minhas opiniões pessoais nunca seria penalizado por isso.
(p.s.: criacionismo é aquela pseudo-teoria favorita dos fundamentalistas cristãos que nega a teoria da evolução e procura provas biológicas que foi a mão de deus que criou o homem, os bichos, a terra e o universo, tal como está na bíblia. Também é conhecida como design inteligente, o que é paradoxal, porque o espaço cerebral da inteligência nos defensores desta pseudo-teoria está ocupado por cegueira ideológica e fundamentalismo religioso.)

sábado, 29 de setembro de 2012

A olhar o cais das colunas

Grão a grão, pessoa a pessoa, um por um, até ao Terreiro do Paço. Contemplar o arco da Rua Augusta, respirar o cheiro do Tejo no Cais das Colunas, recordar um dos momentos icónicos do 25 de Abril na Rua do Arsenal, olhar a Casa dos Bicos ao fundo do Campo das Cebolas. E fazer muito barulho junto daquele edifício amarelo que já foi paço real mas agora é ministério cujos correntes incumbentes parecem apostados em devastar Portugal.

(p.s.: tenho sempre a sensação que sindicatos e as suas manifestações ritualizadas são, tal como outras instituições contemporâneas, dinossauros siderados pelo próximo passo evolutivo trazido na ponta do mega-asteróide. E deste acontecimento de nível de extinção, se não for travado, apenas restarão na terra queimada alguns mamíferos obesos com o devorar da riqueza de toda uma sociedade.)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Cavalos azuis


A capa espantosa da 2000 AD 1802. Apesar da continuidade de Dredd na linha de história do vírus apocalíptico que quase destruiu Mega City 1 já começar a cansar, Ian Edgington faz um trabalho intrigante na série Brass Sun, às voltas com futurismos distópicos e obscurantismo religioso institucional.


Em Happy Grant Morrison explode com o seu surrealismo alucinogénico. A estranheza é expectável. Aquele cavalo azul com asas e chifre de unicórnio é... inexplicável. Ou talvez uma homenagem muito tortuosa ao expressionismo blaue reiter, com um ex-polícia perseguido pela máfia a cavalgar.


Totalmente espantado com a qualidade gráfica e o estilismo sci fi elegante e explosivo de cor do ilustrador Kenneth Rocafort para Superman #0. A fazer lembrar os tempos em que Mike Mignola desenhava o planeta Krypton.

belém_bent


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Yukikaze

Chohei Kambayashi (2010). Yukikaze. São Francisco: VIZ Media.

É preciso uma boa dose de fetiche aeronáutico para se chegar ao fim deste livro. Yukikaze é uma obra de ficção científica militarista sobre uma aeronave futurista. Num futuro próximo, a humanidade e as forças de uma incógnita espécie alienígena apelidada de jam degladiam-se num planeta acessível por um buraco de verme que surgiu misteriosamente na antártida. No planeta hostil à vida humana, as forças terrestres combatem utilizando uma força aérea de equipamentos avançados pilotados por inadaptados e sociopatas. Yukikaze é a mais avançadas aeronave de combate, destacada para missões de reconhecimento e recolha de dados mas que quando necessário se revela superior em combate a tudo o que se lhe oponha.

Um pormenor intrigante do livro é uma progressiva mecanização da luta. Não nos é dado de forma muito subtil. O autor expressa claramente em vários momentos que se suspeita que a verdadeira guerra é entre máquinas e inteligências artificiais terrestres e alienígenas, sendo os humanos peças descartáveis do puzzle, e incompreensíveis pelos extraterrestres. O isolamento das forças militares, separadas do resto da humanidade e mal compreendidas por uma Terra que não se sente ameaçada por uma guerra travada à distância, ajuda ao desenvolvimento de uma cultura progressivamente mecanicista.

Yukikaze, expoente máximo da tecnologia aeronáutica, evolui de uma simbiose com o seu piloto desprovido de emoções até à previsível autonomia total. No final, o destino é o das máquinas inteligentes.

Contado em vinhetas episódicas, o livro arrasta-se e não é uma leitura tão interessante quanto poderia ser, apesar de alguns momentos empolgantes de puro escapismo literário. Há um certo imobilismo narrativo que contrasta com as premissas de acção. O fio condutor de progressiva aquisição de inteligência robótica vai-se desenvolvendo aos sacões e torna-se demasiado óbvio logo nas primeiras páginas. Quanto à premisa de guerra pela humanidade à distância combatida por uma simbiose homem-máquina complexa, bem, é algo que não é novidade no panorama da cultura pop-anime nipónica.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Design Fiction


Fico surpreendido com a forma como os alunos apreciam o futurismo digital limpinho do A Day Made Of Glass, uma peça de design fiction produzida por uma vidraceira de alta tecnologia cujos vidros se podem encontrar nos ecrãs de muitos portáteis e tablets. A visão é conservadora e pequeno-burguesa, com uma família de classe média-alta a viver o dia a dia num mundo de computação ubíqua possibilitado por vidros inteligentes e interactivos que escondem debaixo da superfície transparente os circuitos electrónicos de uma realidade aumentada e responsiva ao utilizador. É uma visão que desperta a curiosidade e a tecnoluxúria. Perguntas inevitáveis: é mesmo assim? isto já existe? quando é que podemos ter coisas destas? aquilo é um telemóvel da marca xyz?


No que toca a visões de um possível futuro de realidades aumentadas que mesclam o real e o virtual, sempre achei que o conceito cacofónico e intrusivo de Augmented (Hyper)Reality mais realista. As superfícies frias e nuas cobrem-se com informação icónica e imagens virtuais supostamente projectadas na retina. O ambiente virtual está repleto de anúncios, que se podem fugir em breves momentos de consulta de informação pessoal ou regulando os níveis de publicidade. Mas que nunca desaparecem e fazem parte da paisagem virtual que o utilizador, resignado, navega no dia a dia.

Design fiction, ou a ficção ao serviço da visualização do possível, do provável ou do desejável.

vuitton_bent


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Welcome to Uncanny Valley


Bem vindos ao uncanny valley, reparei hoje nas aulas. Entre muitas coisas que fui mostrado aos alunos, entre a design fiction sobre realidade aumentada e novos interfaces ubíquos, visões da sociedade panopticon ou experiências com kinects, este pequeno vídeo de um robot que simula os movimentos de um bebé despertou reacções fortes. E intrigantes, muito intrigantes. Ao ver os movimentos desajeitados do robot humanóide, com os servo-motores, sensores e cablagens à vista, os alunos ficavam sensibilizados com o seu aspecto e comentavam com palavras carinhosas. Sorriam, apontavam com carinho as acções do mecanismo.


Coberto com pele, a reacção foi oposta. Acabou-se o carinho. As reacções foram de choque e revulsão. É curioso como a tentativa de tornar o robot mais real reforça a sua artificialidade. Os alunos sublinharam muito o vazio dos olhos do robot, que nas imagens da máquina nua não tinha causado qualquer estranheza. Bem vindos ao uncanny valley, aquele momento em que o realismo do simulacro incomoda e inquieta.

pombal_bent



domingo, 23 de setembro de 2012

Vaivém que foi à lua

Para a categoria "não estudes não que não é preciso". Uma das visitas mais recentes a este blog procurava por isto: Lisbon, Lisboa arrived from google.pt on "Intergalacticrobot: Julho 2005" by searching for imagem do vaivem que foi a lua em 1968.

Vou repetir, porque sabe bem. Enrola-se a língua de forma prazenteira. " vaivem que foi a lua em 1968". Há por aqui vários anos-luz de confusão mental entre módulos Apollo e vaivéns espaciais que agora discretamente se reformam nos recantos de alguns museus aeroespaciais.

...

Geometria solar.

board_bent



Digital oblivion


O digital e a diluição da expressão.

A responder a perguntas sobre o Google Glass - aquele projecto de óculos como dispositivos de computação móvel/realidade aumentada. A esta The shape of the product (glasses) is an innovative form of communication, what are in your opinion the advantages that can be derived from that?, que respondi dizendo que isto de óculos como ecrãs até já é old news. Lembro-me bem do Xybernauts e similares. O que o glass faz é reduzir e tornar o computador mais compacto e elegante.

Esta mereceu visão mais poética: In continuation to the previous question what are the disadvantages/difficulties/risks that can be derived from that?

- a rise in bumps in the head from urban obstacles (cars, people, urban architecture). Pois é. Imaginem-se a caminhar na rua enquanto lêem emails, vêem um filme ou conversam remotamente com alguém. Os olhos podem ter a percepção do ambiente que nos rodeia, mas a atenção está concentrada. Tropeções, encontrões contra objectos imóveis, cruzamentos dolorosos entre utilizadores de óculos de RA e veículos em movimento...

- an eerie, zombie-like feeling where everyone is staring into oblivion. Imaginem que estão na rua, num café, num jardim público, em qualquer local onde se acumulem pessoas no dia a dia. No metro ou paragem de autocarro. Todos a olhar para um infinito, concentrados nos seus óculos, gesticulando e falando sozinhos. No fundo estou apenas a extrapolar o nosso corrente comportamento com telemóveis ou tablets para um dispositivo que aproxima ainda mais o fluxo do mundo digital do corpo humano. Confesso que fico sempre desconcertado sempre que vejo alguém a falar e a gesticular, comunicando com um telemóvel e auriculares. Noutras eras seria internado como maluquinho ou exorcizado como possesso por legiões de demónios. A série web H + vai mais longe e imagina o que seriam interfaces projectados na retina. E sim, cá temos a ideia de olhares vazios para o infinito e gestos que para quem não sabe o que está em jogo parecem encantamentos mágicos.

Um projecto artístico com alguma controvérsia - envolveu um hack aos computadores à venda numa loja da Apple e terminou com os serviços secretos norte-americanos a bater à porta do incauto artista, mostra bem como é vazia a expressão humana quando o nosso cérebro está intrigado e a interagir com o computador. São imagens que assombram, aguarelas criadas a partir de fotografias tiradas ao acaso por webcams a utilizadores de computadores. E lá está. Olha-se para o infinito, sem expressão. Mergulhado na janela para o universo digital, o cérebro consciente esquece-se que tem um corpo. A consciência habitua-se muito depressa ao fluxo digital. Se calhar é um reflexo daquela velha aspiração de transcender o corpo e a fisicalidade, de se tornar ser de pensamento puro. A alma das mitologias religiosas, a transcendência digitalizada dos pós-humanistas.

O questionário, para um trabalho de um aluno da universidade de Tel-Aviv, está aqui.

sábado, 22 de setembro de 2012

dynamo_bent



lx_ocaso



Belém, no ocaso de um dia e, talvez no ocaso da inépcia política intencional, da alta corrupção como banalidade e da reinstitucionalização das injustiças por oligarquias sorridentes.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

arbustos_bent



Second Lie

Um erro de digitação que é uma metáfora não intencional da vida digital. Life as a lie, vida como mentira, projecção de imagens pessoais, construção elaborada de personas que mostram a um mundo fragmentado a faceta que cada um quer mostrar. Um rosto adequado para cada momento. O google sugere a correcção. Mas frente ao ecrã não há honestidades nuas, apenas o artifício da persona.

Bleedout

Mike Kennedy, et al. (2011). Bleedout. Los Angeles: Archaia Studios.

Arranca com uma premissa pós-apocalíptica interessante, mas depressa fica atascado num enredo previsível de criminalidade e corrupção institucionalizada. O mundo de Bleedout está exangue de petróleo graças a um acto de bio-terrorismo que contaminou as reservas petrolíferas mundiais e levou ao obrigatório colapso social e económico. Somos focados numa cidade corrupta, onde políticos e líderes de organizações criminosas se unem para travar a anarquia e lucrar com o estado das coisas. A história é-nos contada em vinhetas soltas, centradas nas principais figuras criminosas e nas suas principais façanhas. O ambiente é o de um caldeirão onde gangues rivais prosperam em tréguas inquietas e a bio-arma que provocou o colapso civilizacional provocou uma mutação nalguns indivíduos, tornando-os quase imortais.

O que poderia ser uma história sobre a nossa dependência civilizacional do petróleo não passa de uma variação dos policiais noir com os necessários toques de violência e sexualidade desviante, sem esquecer o obrigatório super-homem que paralelo à lei coloca os criminosos a lutar entre si. Não é particularmente interessante, mas torna-se intrigante pela variedade expressiva dos estilos dos vários artistas que ilustram cada capítulo do livro.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

misc_bent



Hífen geracional

É um daqueles momentos em que a normalidade insuspeita leva um forte par de estalos de futurismo enquistado do dia a dia corrente. Hoje comemoram-se os trinta anos da proposta original do emoticon para o sorriso. O mais conhecido e utilizado dos muitos símbolos que transmitem através do texto e do ecrã uma pálida imagem da emoção na interacção humana. As palavras no ecrã são notoriamente frias e desprovidas de bagagem expressiva. Quantos de nós nunca utilizaram um emoticon para suavizar palavras que podem parecer duras, e quantos de nós nunca se meteram em sarilhos online porque quem nos leu interpretou as palavras de forma totalmente oposta à intencionada? Estes pequenos símbolos tentam transmitir o poder da comunicação não verbal ao texto digital.

No artigo da The Atlantic que assinala a efeméride esta frase atinge como um murro: "Emoticons with noses are historically older. Since it is words that unite and distinguish clusters, this means that people who use old-fashion noses also use a different vocabulary". Ou seja, utilizar um hífen para simbolizar o nariz é sinal de senilidade geracional. O traço que assinala o fosso entre gerações. Há uma curta linha que separa aqueles que sorriem assim :-) daqueles que sorriem assim :) e essa linha é aparentemente um símbolo menor das diferenças culturais entre gerações. Um no qual pouco se repara.

(E, claro, estou apaixonado pela imagem que ilustra o artigo e que roubei descaradamente. Não é pelo smiley, é mesmo pela visualização do glorioso RGB nos pixels do lcd. Pura nova estética.)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

árvore_bent



Doctor Solar, Man of the Atom

Jim Shooter, et al. (2011). Doctor Solar, Man of the Atom Vol. 1. Milwaukie: Dark Horse Comics.

Há pouco de inovador ou intrigante no género dos comics de super-heróis. Trocam-se as cores dos uniformes e as iconografias, modifica-se o gravitas da personagem, mas fundamentalmente é tudo similar. É aí que reside o seu encanto, um género de cultura popular previsível e mutável dentro de estreitos limites do expectável. Uma versão literária do hamburguer gastronómico. Apesar de limitado e estereotipado, o género tem espaço para inventividade que nas mãos de alguns autores se traduz em voos quase psicadélicos, ou impactos de estranheza que se entranham na cultura popular.

Doctor Solar, Man of the Atom é um personagem clássico da era atómica. Na sua primeira encarnação, era um banal super-herói cujos poderes lhe foram concedidos por um acidente atómico. Mas às mãos do veterano Jim Shooter, numa das periódicas reinvenções que estes personagens sofrem com a evolução dos detentores dos seus direitos de autor, transformou-se em algo... interessante.

Shooter actualiza o mito original com uma boa dose de pseudo-ciência com fortíssimos toques de ficção científica. Nesta encarnação, da existência do personagem depende a existência do universo, os seus poderes manifestam-se na manipulação das forças físicas elementares e o obrigatório arqui-inimigo funciona como uma espécie de anti-partícula negativa oposta à força positiva de Solar.

O acidente provocado por sabotagem que transforma o ambicioso físico Dr. Solar num super-ser destrói o universo. Num esforço de busca por fontes de energia limpa, uma equipe de investigação prepara-se para criar e estabilizar um mini buraco negro, mas a morte acidental de um sabotador torna o buraco impossível de conter e arrasta o incauto cientista. Arrastado para o horizonte de acontecimentos do buraco, morre em nano-segundos, mas no interior do buraco o tempo estende-se até ao infinito. Num segundo muito longo, os restos da sua consciência percebem como manipular as forças físicas elementares e reconstituem o corpo... e com isso todo o universo. Com algumas anomalias, para a coisa ficar interessante.

A premissa elementar de Doctor Solar é que a consciência humana se manifesta pela manipulação de campos quânticos elementares cujo efeito pode sobreviver à aniquilação da sua fonte. Pois. A extraordinária ciência dos comics. A reconstituição do corpo de Solar pelos restos quânticos da sua consciência salva, literalmente, o universo e dota-o de poderes sobre as partículas elementares. O que é útil: deixa de precisar de telemóveis para comunicar, transforma-se em ondas de radiação, manipula directamente os bits digitais embora continue a sentar-se frente ao ecrã porque, enfim, há metáforas irredutíveis.

O seu arqui-inimigo é um homem sinistro, rico e poderoso, que pretende refazer o mundo à sua imagem e que adquire poderes equivalentes aos de Solar através de uma recriação digital hiper-realista do colapso do buraco negro. Leram bem. Recriar uma simulação confere poderes na realidade. Interpretação divertida das teorias sobre universos holográficos.

Talvez os mais intrigantes adversários de Solar sejam criaturas incompletas saídas da imaginação de um escritor sem talento. Personificações dos estereótipos do género, são forçados pela forma como foram descritos a agir conforme o previsto por argumentos mal escritos. Uma brincadeira bem humorada com os limites e os hábitos do género dos comics.

Sem ultrapassar os limites estereotipados do género, Doctor Solar é uma leitura divertida com um toque pseudo-científico que insufla ficção científica na nostalgia da era atómica.

domingo, 16 de setembro de 2012

piodão_bent



Um bocadinho

Cada um é como é, com as suas aspirações, sonhos, tragédias e dilemas. Mas como diz o ditado, grão a grão se vai enchendo. Uma míriade de gestos individuais pode encerrar a promessa de mudar, de largar a apatia e intervir positivamente na coisa pública. Que é de todos e para todos.

Centenas de milhares na rua contra a troika e o Governo num dos maiores protestos de sempre

Um dia inédito, com gente a sair às ruas em trinta cidades em Portugal e não só. Ainda não vi ou li os comentários e inevitáveis aproveitamentos políticos ou rebaixamentos em nome da vontade de interesses instalados, mas sei o que vi em Lisboa. Arrepiou-me, aqueceu o coração, e deixou-me orgulhoso da minha cidade e do meu país. Apesar de "exilado" no oeste, nunca deixei de me sentir alfacinha.

Lamento é que os desacatos de uma minoria pouco inteligente, cujas acções de revolta cumprem na totalidade os objectivos de quem quer desacreditar as manifestações e descartar os protestos como meras arruaças sem consequências, sejam o que passou na Reuters. E pouco mais vi na imprensa anglo-americana. Malta, um país inteiro saiu à rua ordeiramente. É um bocadinho mais do que arruaceiros em S. Bento. Um enorme, gigântico bocadinho.

Spain and Portugal see big anti-austerity rallies
Clashes as protesters in Portugal demonstrate against tax hikes.

Muitos pontinhos





- Sabem que está uma instalação da Yayoi Kusama na montra da Louis Vuitton?
- Estás a brincar.
- Não, a sério, está.
- A sério?
- Sim, e é só atravessar a rua...
De facto confirma-se que a montra de uma das lojas de luxo da Avenida da Liberdade está decorada com um projecto artístico da japonesa Yayoi Kusama. Tentáculos cthulhóides com pintinhas, flores ginofórmicas com pintinhas. Yep, Kusama é a menina com obsessão-compulsão por pintinhas. Para além da curiosidade da obra, veio a recordação da arqueologia digital: em 1998 ou 99, adquiri um cd-rom multimédia produzido pelo Peter Gabriel com jogos interactivos e instalações digitais de quatro artistas contemporâneos. Um dos "mundos" do jogo intitulado EVE era dedicado a Kusama. Ah, os velhos tempos do futurismo do cd-rom interactivo multimédia. Por isso, aproveitem e passem pela montra da LV. Apreciem o pontilhismo nipónico e o excesso grotesco da sociedade de consumo.

sábado, 15 de setembro de 2012

manómetro_bent



Milissegundos enriquecedores

High-frequency trading raises an existential question: Why do we have stock markets? Today trading is an end in itself.

A trend that began with pigeons ends with subatomic particles, carrying data that is outdated almost before it arrives at its destination.

projects were launched to connect New York and London by a new transatlantic cable and London and Tokyo by way of the Arctic Ocean, all just to cut a few hundredths of a second off the time it takes to receive data or send an order.

Traders pay to put their servers in the same building, and to make things fair, engineers scrupulously add extra lengths of cable to equalize the runs among all the servers. Yes, we are talking about a few feet plus or minus. At nearly the speed of light.

Why do we have stock markets? To promote business investment, is the textbook answer, by assuring investors that they can always sell their shares at a published price—the guarantee of liquidity. From 1792 until 2006, the New York Stock Exchange was a nonprofit quasi utility owned by its members, the brokers who traded there. Today it is an arm of NYSE Euronext, whose own profits and stock price depend on getting high-frequency traders in the door. Trading increasingly is an end in itself, operating at a remove from the goods-and-services-producing part of the economy and taking a growing share of GDP

Jerry Adler, Raging Bulls: How Wall Street Got Addicted to Light-Speed Trading.

Este artigo lê-se como um cruzamento entre ficção científica distópica e a ganância exposta no clássico filme Wall Street. Gastar balúrdios em infra-estruturas topo de gama que depressa ficam obsoletas porque há sempre uma nova tecnologia, uma nova técnica para tornar a comunicação ponto a ponto mais rápida. Estamos a falar em ganhos de rapidez na ordem dos milisegundos, que possibilitam a algoritmos de negócios financeiros automáticos ganhar milhões com transacções de compra e venda que se processam a velocidades sub-lumínicas sem intervenção humana, excepto na sua criação (programação) e erecção das infra-estruturas necessárias para comunicarem em fracções ínfimas de segundo. Falamos de fibra-óptica dedicada, redes geodésicas de micro-ondas unicanal optimizadas, e ideias no ar que passam por redes de drones ou aceleradores de partículas para gerar neutrinos. E um campo lucrativo que mistura informática com matemática que provoca uma fuga de cérebros dos campos mais esotéricos da física. Parece que os físicos quânticos são particularmente capazes de se dar bem no mundo da finança ultra rápida.

Por si só é fascinante, mas quando levamos em conta quem é que enterra dinheiro nestes mercados voláteis e os milhares de milhões gastos para os socorrer, aliados aos milhares de milhões de dívidas incorridas com produtos financeiros exóticos, e as dívidas sociais de uma sociedade global que em poucas gerações foi incentivada ao consumo rápido graças à possibilidade do endividamento, essencialmente uma aposta que rendimentos futuros cobririam dívidas do passado que se inflacionou a níveis que ameaçam colapsos sociais e institucionais. Ou como este artigo coloca: Rarely is there a frank discussion of the legitimacy of the debt. Our leaders present our debt as necessary and our credit rating as sacred. But can debt be illegitimate? If it is run up without regard to law or public opinion, must it be binding? This is a question largely ignored. (Too Big to Fail and Too Risky to Exist)

Dinheiro. Uma abstracção matemática que move literalmente montanhas. O carácter agnóstico de um algoritmo programado para maximizar lucros apenas sublinha a rapacidade da ganância humana.

Vamos?

Não só por Lisboa. É todo um país onde se vai sentir o resultado da soma dos pequenos gestos individuais.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

rocha_conde_de_óbidos_bent



Steam engine time

You know steam engine time? Humans have built little toys, steam engines, for thousands of years. The Greeks had them. Lots of different cultures. The Chinese had them. Lots of different cultures used steam to make little metal things spin around. Nobody ever did anything with it. All of a sudden someone in Europe did one out in a garden shed and the industrial revolution happened. That was steam engine time. When I was writing those first stories, I didn’t even know to call the thing the digital. But it was steam engine time. It was happening.

William Gibson em entrevista à Wired.